Em meio a estes tempos sombrios e TEMERosos da política brasileira de 2017, lembramos, talvez não por acaso, que o livro A hora da estrela, da intelectual Clarice Lispector, faz 40 anos de sua publicação (1977). Não por acaso porque, ressalvadas as diferenças, o contexto no qual a novela foi escrita também era repressivo, ditatorial e sumariamente desalentador. Assim, valendo-se de sua arma mais poderosa, a linguagem literária, e já talvez antecipando o que Bhabha viria a nos ensinar depois de que narrar é narrar a nação, a intelectual tratou, sem dó nem piedade, de uma realidade política pouco explorada ainda pela narrativa literária brasileira. Apesar de sua participação na passeata dos 100 mil e de algumas crônicas de protestos, incluindo até mesmo alguns pequenos textos considerados ficcionais como é o caso do conto “Mineirinho”, foi por meio de seu compromisso com a linguagem que Clarice soube se antecipar e dar a melhor resposta possível de como captar a realidade política daquele momento histórico do país. Mesmo passados 40 anos de sua publicação, o livro A hora da estrela traz e apresenta-nos um projeto intelectual arrojado que, entre outras leituras, ajuda-nos a compreender melhor essa realidade política brasileira que não nos cansa de surpreender com suas atrocidades, gatunos e malas.

domingo, 17 de setembro de 2017

Resumos das apresentações - parte II

Prezados(as) amigos(as) e demais interessados(as),

Seguem mais resumos dos trabalhos que serão apresentados no evento "IV Colóquio do NECC: A Hora da Estrela Clarice Lispector (40 anos)"





RASTROS DE UMA VIDA ESCRITA/INSCRITA NA POÉTICA DE EXÍLIO DE CLARICE LISPECTOR

Marta Francisco de Oliveira (UFMS)
e-mail: martisima@gmail.com

RESUMO: O objetivo desta comunicação é analisar como a trajetória exílica se torna uma marca textual perceptível na obra de Clarice Lispector através de personagens que, embora díspares e únicos em suas composições, agregam em si o traço compartilhado que, independentemente de sua condição e circunstâncias narrativas, formam o compósito que se pode chamar de poética de exílio em Lispector. De fato, a própria vida da escritora se inscreve pelos mesmos meandros desta poética, ao passo que também se escreve, ficcionalmente narrada, em seus variados textos, dissimulada, mascarada, diluída e profundamente arraigada na trama de narrativa da escritora. Neste estudo, interessa-nos identificar os rastros de composição textual clariciana que evidenciam que, ao lado da narrativa de cunho biográfico de Elisa Lispector, é erigida uma reconstrução poético-visual da história familiar e pessoal de Clarice, adentrando sua obra e constituindo sua própria narrativa poética de exílio.


A CRIANÇA E A DESCOBERTA DO MUNDO: “A DOR E A ALEGRIA DE SER O QUE É”

Rodrigo Pessoa Oliveira
(UEMS)
Maria Helena de Queiroz
(UEMS)
e-mail:helenetl@yahoo.com.br


Resumo: este trabalho propõe uma análise da infância a partir da leitura de dois contos: Nessa poeira não vem mais seu pai, de Augusto César Proença, inserido na obra Rodeio a céu aberto (2009), e Restos de carnaval, de Clarice Lispector, presente no livro Felicidade Clandestina (1971). Por intermédio da aproximação do eixo temático dessas narrativas, que gira em torno do universo infantil, é possível afirmar que ele se constrói de forma bastante realista, a partir de imagens da infância em situações de desequilíbrio, em seus momentos de aprendizagem do mundo. Neste, a harmonia se ausenta, o que favorece o estado crítico do ser criança que precisa aprender a lidar com a sua dor, dor que aparecerá, por exemplo, no sentimento de abandono que a “morte” propicia. Desse modo, essas imagens não são desenhadas de forma idealizada: em sua solidão, e intentando se proteger, a criança cria, em paralelo a uma vida de sofrimento, um mundo sonhado, que lhe acolhe e acalma, em instantes de felicidade. Compreendemos que a infância, tema comumente relegado à literatura infantil, encontra na obra de grandes autores, terreno de reflexão acerca das suas (des)venturas,  e que propicia, também à nós, adultos, o conhecimento da própria natureza humana, uma vez que reflete a história de vida de todo ser. Para desenvolver esse pensamento, contaremos com o apoio teórico de escritores como Gaston Bachelard, Benedito Nunes, Nadia Gotlib e Tânia Carvalhal. Este último nome assinala que o trabalho será desenvolvido sob à luz da teoria do estudo comparado.     
Palavras-chave: Infância; Literatura Comparada; Clarice Lispector.

LUGARES E NÃO LUGARES DO FEMININO EM A HORA DA ESTRELA, DE CLARICE LISPECTOR

Autora: Cíntia Naiara de Souza Melo (SED/SEMED/MS)

Coautor: Raul Gomes Da Silva (UFMS/CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa Espaço, Literatura e outras Artes UnB/CNPq)

Resumo: Passados exatos quarenta anos da publicação de A hora da estrela, a narrativa de Clarice Lispector continua provocando novas leituras e análises no campo da pesquisa literária brasileira. Isso ocorre porque as significações do texto ficcional modificam-se de acordo com o deslocamento temporal e espacial do olhar do leitor acerca o objeto artístico. Tal olhar é sempre novo quando considerado que o contexto social, político e literário transformam-se constantemente em razão da própria vicissitude humana. Diante disso, este trabalho pretende revisitar a referida obra com o intuito de observar os lugares e os não lugares do feminino a partir da análise da personagem protagonista Macabéa. Nesse percurso em direção à obra clariciana o lugar é compreendido segundo relações de posicionamento e localização, ou seja, enquanto espaço que é não só físico, mas, especialmente, discursivo. Os textos Gênero: uma categoria útil para a análise histórica (1989), de Joan Scott, e Teorias do Espaço Literário, de Brandão (2013) auxiliam, sumariamente, o desenvolvimento deste estudo.

Palavras-chave: feminino; lugar; não-lugar; espaço; discurso.


O (PER)CURSO IDENTITÁRIO DE MACABÉA: SUBJETIVIDADE E (DES)COLONIZAÇÃO

Laura Cristhina Revoredo Costa (PG/UFMS)

Vania Maria Lescano Guerra (UFMS)

RESUMO: Temos por objetivo estudar os efeitos de sentidos que emergem do discurso literário de Clarice Lispector, especificamente da tradução espanhola La hora de la estrella, realizada por Ana Poljak (“A hora da estrela”). Interessa-nos entender a constituição identitária da personagem feminina Macabéa e problematizar as representações sociais e as relações de poder, na investigação das práticas de subjetivação desse discurso, ligadas à constituição da identidade da mulher. Para isso, a fundamentação transdisciplinar traz a perspectiva discursivo-desconstrutivista (CORACINI, 2007), o suporte teórico-metodológico foucaultiano arqueogenealógico (1987), além do panorama pós-colonialista (MIGNOLO, 2003). Como resultados preliminares, verificamos que na identificação de Macabéa destacam-se, como marcas subjetivas, a profissão de datilógrafa, a questão da virgindade, a ignorância/insignificância na sociedade da época e a busca de identificação com os ícones simbólicos transnacionais como, por exemplo, a Coca-Cola, o McDonald e Marylin Monroe. Observamos que a virgindade, para a personagem, constituía uma forma de poder, via resistência à sociedade constituída de sua época, na qual ela fazia parte da massa subalterna. Vale ressaltar que este trabalho, ao examinar a tradução para a língua espanhola, tem por meta, também, entender a (des)colonização e a transculturação, assim como expandir a discussão de temas cada vez mais recorrentes na cultura como exclusão e preconceito. 

O SILENCIAMENTO E SEUS EFEITOS DE SENTIDO NO DISCURSO LITERÁRIO: SUBJETIVIDADE E LINGUAGEM

João Paulo Tinoco Machado (PG/UFMS)

Vania Maria Lescano Guerra (UFMS)

Temos por meta problematizar os efeitos de sentido do discurso literário de Clarice Lispector, a partir do estudo da tradução inglesa de “Água viva”, por Stefan Tobler. A análise está amparada pela Análise de Discurso de origem francesa, que traz o caráter de equivocidade da língua e constitui-se, desse modo, como um lugar teórico de reflexão sobre a interpretação e a multiplicidade dos sentidos. A reflexão acerca da linguagem, do funcionamento de seus sentidos, encontra no discurso literário um espaço privilegiado para sua existência. O silêncio, elemento fundamental à significação emerge como a condição que torna possível o entendimento da não transparência da linguagem (ORLANDI, 1986). Por meio do silenciamento podemos chegar a uma multiplicidade de sentidos que compõe o processo discursivo, trazendo o carácter polissêmico e incompleto da linguagem. Temos por hipótese de pesquisa que a escritora Clarice Lispector apresenta nessa sua obra uma farta reflexão sobre a linguagem, o que nos leva a compreender o modo como a incompletude da linguagem, intrínseca ao silêncio, funciona em seu processo discursivo. Consideramos que a obra “Água Viva” constitui um discurso literário que rompe com a prosa realista predominante à época, início do século XX, pela forma como é estruturado, sem início, meio e fim, o que nos leva a considerar que nele a temática é a linguagem, sua função simbólica e a produção de sentidos. Para nós, cada leitura só pode ser considerada aceitável apenas dentro de uma determinada situação e perspectiva, porque o sujeito lê o que lê a partir de tudo o que o constitui como sujeito: seu inconsciente, sua história, sua cultura, sua ideologia (DERRIDA, 1995).


O ENIGMA É O OUTRO: UMA LEITURA DAS RELAÇÕES SOCIAIS NOS CONTOS A BELA E A FERA OU A FERIDA GRANDE DEMAIS E A LÍNGUA DO P, DE CLARICE LISPECTOR

Francisca Luana Rolim Abrantes
(Curso Superior de Letras, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba-Campus Sousa);
E-mail: luana_abrantes@hotmail.com

Profa. Ma. Risonelha de Sousa Lins
(Curso Superior de Letras, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba-Campus Sousa);
E-mail: risonelha@gmail.com

RESUMO: Clarice Lispector, escritora de vasta produção literária, correspondente a romances, contos, crônicas e livros infantis, tem sua obra analisada, de modo geral, pelas temáticas existenciais. Durante muito tempo, foi criticada, por apresentar os problemas sociais a partir das reações do sujeito que os vive, fugindo das propostas da geração de 30. Entretanto a sua obra ganhou novos enfoques na contemporaneidade, uma vez que aspectos sociais como violência física e simbólica, desigualdades sociais, hipocrisias e desajustes são conflitos reveladores em suas narrativas. Para o crítico Luiz Antônio Magalhães (2001), uma obra tão abrangente como a dessa escritora não deve fugir ao desafio analítico das relações sociais. Assim, neste ano de 2017, quando a obra A hora da Estrela completa seus 40 anos, questões como miséria, pobreza e discriminação, diluídas no processo de construção do estético clariceano, surgem como uma nova forma de visualizar a situação de Macabéa, nordestina, apontada pelo narrador como um sujeito “incompetente para a vida”. Essa personagem como tantas outras evidenciam as percepções do sujeito em relação ao espaço e as relações que o cercam. Neste sentido nos questionamos: a análise das relações sociais pode lançar luz sobre outros aspectos da obra de Clarice Lispector? A observação do esforço das personagens dentro das relações eu-outro pode revelar aspectos sociais do drama da personagem? Com base em tais questionamentos, pretendemos abordar neste artigo o aspecto social das relações entre os personagens das narrativas “A Bela e a Fera ou a Ferida Grande Demais”, da obra A Bela e a Fera e “A língua do P", de A via Crucis do Corpo, tomando como base a categoria do espaço. A análise parte dos pressupostos teóricos de Lúcia Helena (1997), Benedito Nunes (1989), Olga de Sá (1979) e Nádia Batella Gotlib (1994), dentre outros pesquisadores da obra da referida escritora. O estudo é de caráter bibliográfico e se fundamenta no exame das relações estabelecidas nos limites do texto.

Palavras- chave: Clarice Lispector; Relações sociais; Espaço.



CLARICE É A MINHA NEBLINA

Edgar Cézar NOLASCO (NECC-UFMS; PACC-URFJ)
E-mail: ecnolasco@uol.com.br

RESUMO: Há quase quarenta anos que nutro uma amizade indestrutível e, ao mesmo tempo, produtiva por Clarice Lispector. Teve a morte no começo de tudo, mas eu ainda não sabia da existência da indesejada de todos no meio de nosso caminho. Se, nos primeiros anos do encontro, não passava de um jovem leitor apaixonado pelo romance Perto do coração selvagem, nos anos seguintes em diante detive-me noites afora em decifrar os mistérios dos sentidos que achava estar depositados dentro de sua escritura. Nesses últimos 40 anos, descobri que Clarice é meu sintoma, assim como a teoria que articulo a partir de meu lócus biográfico cultural. Há uma Clarice que sobrevive em mim, que sobrevive a partir de mim. É dessa persona clariciana que quero falar em meu texto. Quero falar de uma Clarice a partir de mim.

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